4 de jul. de 2012

Caçando com São Francisco de Assis


Era noite, estávamos apenas eu, meu pai e um amigo dele no carro. O carro havia encalhado numa daquelas poças de lama que formam quando chove muito em estradas de terra. Já havíamos tentado empurrar o carro várias vezes, mas nenhum resultado. Eu tinha 12 anos, morria de medo de escuro, é claro que estava amedrontado, o ambiente era cercado por floresta em todos os lados, apenas a estrada estava livre do mato, o que tornava o ambiente mais assustador.


Decidiram virar a madrugada ali mesmo e pela manhã buscariam ajuda para tirar o carro dali, provavelmente uma ajuda real estaria a uns 10 km de distância, no mínimo. Estava sentado sozinho no banco de trás do carro, um Corsa. Estava cansado, estávamos indo para uma chácara da família que ficava na beira do Rio Capivari.

Como sempre, nesses casos, para piorar toda a situação, começaram a contar histórias de terror, muitas das quais, histórias de pescador. Algumas me aterrorizavam, outras eram mais idiotas do que qualquer coisa. Mas uma em especial me intrigou. Quem a contou foi meu pai:

“Quando eu tinha 14 anos, mais ou menos a sua idade Lucas, meu tio Ivo me chamou para ir caçar perto do antigo sítio da Vó, era dia de São Francisco de Assis, protetor dos Animais. Mamãe falou para não irmos, porque não era bom caçar no dia do padroeiro dos bichos neh?!?

Meu tio nunca ligou pra isso, apesar de vir de uma família Católica, mas naquele dia ele ficou meio com a pulga atrás da orelha. ‘Besteira’ disse ele, e fomos mesmo assim. Nos embrenhamos no meio da mata, cada um com a sua espingarda, começamos a seguir ‘rastros’. Tudo frustrante, passamos 3 horas tentando alguma coisa. Todos os tiros erraram, e já estava noite quando resolvemos voltar.

O Ivo botou na cabeça dele que havia encontrado um rastro, o que era impossível, pois já estava escuro, mas sei lá, aquele bicho é estranho.

E não era que ele tinha encontrado mesmo?!? Mas havia algo de  mais estranho naquele animal, no inicio achamos que era um bicho preguiça, mas esse bicho não existia naquela mata lá. Começamos a atirar e o animal começou a fugir, se pendurando de arvore em arvore, percebemos que um bicho preguiça não teria aquela velocidade e não teria agilidade nos dedos para fazer aquilo.

Apontávamos a lanterna e, quando chegamos mais perto, percebemos que era grande demais para ser um macaco, devia ter mais do que um metro de altura. Eu fiquei assustado e queria correr dali, o que era aquilo? Um animal com corpo de bicho preguiça, mas mais alto do que os macacos brasileiros? Meu tio deu um tiro certeiro no ombro do animal, ele caiu na beirada de um rio. Corremos até ele, ele estava caído com a MÃO em cima da ferida no ombro. 

Achamos que o animal estava morto, com o olho fechado. Meu tio ia passar a mão por baixo pra levá-lo para casa como a recompensa do dia, porém quando encostou no corpo dele, afastou-se rapidamente e disse ‘É gelado’. Não tive nem coragem de encostar, dei dois passos para trás e me pus atrás do meu tio.

O bicho-preguiça alto e com mãos de gente abriu os olhos e nos encarou, seu corpo já estava ensanguentado. Recuamos mais um pouco enquanto o animal se levantava. Ele ficou em pé e nos encarou, colocou a “MÃO” no ferimento novamente e deu um grito, consegui sentir a dor dele na minha espinha. O animal entrou no rio urrando e desapareceu deixando-nos boquiabertos.

Trocamos olhares até que meu tio disse ‘É, com coisa de Santo não se brinca’, pegamos nossas coisas e voltamos correndo para casa. Nunca mais comentamos essa história com ninguém.”

E assim eu passei o resto da minha noite, fitando todas as janelas a espera do olhar e do urro do Bicho, uma vez que era dia de São Francisco de Assis.