25 de ago. de 2012

A boneca, o retrato e as lembranças


A garotinha estava deitada sobre a sua caixa de brinquedos. Suas perninhas meio levantadas transmitiam toda a sua infantilidade e seu modo sapeca de criança. Entretanto, qualquer um que visse a expressão em seu rosto diria que estava carregado de ares adultos.

Seu olhar estava fixado na parede de madeira do outro lado do cômodo. Um olhar caído que variava do derrotado ao preocupado. As maçãs do rosto estavam rígidas. O maxilar cerrado. A testa franzida.

Enquanto fitava o retrato de sua irmãzinha, mantinha as perninhas em movimento. Estava com a boneca favorita da outra em suas mãos. Escolhera aquele lugar porque era onde costumavam passar as horas felizes juntas.

Durante os oito anos da sua vida aprendera que a sua irmã era a única pessoa com que poderia compartilhar as coisas. Passavam todo o sofrimento juntas. Juntas apanhavam todos os dias do tutor. Juntas faziam o trabalho da casa. Juntas dormiam, passavam fome e frio. E juntas eram abusadas...

Na escola, todos a achavam madura demais, com aquele olhar altivo sempre no rosto. O que ninguém sabia é que perdera a inocência e a ingenuidade no momento em que perdera os pais e fora jogada naquele buraco. Elas nunca contaram nada, não por medo, mas sim pelas promessas. O tutor sempre prometia que elas veriam seus pais novamente.

Ela nunca tivera medo, porque sempre tivera a outra ali com ela. Mas agora sentia algo estranho na barriga, pois as únicas coisas que restaram da sua irmã foram a boneca, o retrato e as lembranças.