A garotinha estava deitada sobre
a sua caixa de brinquedos. Suas perninhas meio levantadas transmitiam toda a
sua infantilidade e seu modo sapeca de criança. Entretanto, qualquer um que
visse a expressão em seu rosto diria que estava carregado de ares adultos.
Seu olhar estava fixado na parede
de madeira do outro lado do cômodo. Um olhar caído que variava do derrotado ao
preocupado. As maçãs do rosto estavam rígidas. O maxilar cerrado. A testa
franzida.
Enquanto fitava o retrato de sua
irmãzinha, mantinha as perninhas em movimento. Estava com a boneca favorita da
outra em suas mãos. Escolhera aquele lugar porque era onde costumavam passar as
horas felizes juntas.
Durante os oito anos da sua vida
aprendera que a sua irmã era a única pessoa com que poderia compartilhar as
coisas. Passavam todo o sofrimento juntas. Juntas apanhavam todos os dias do
tutor. Juntas faziam o trabalho da casa. Juntas dormiam, passavam fome e frio.
E juntas eram abusadas...
Na escola, todos a achavam madura
demais, com aquele olhar altivo sempre no rosto. O que ninguém sabia é que
perdera a inocência e a ingenuidade no momento em que perdera os pais e fora
jogada naquele buraco. Elas nunca contaram nada, não por medo, mas sim pelas
promessas. O tutor sempre prometia que elas veriam seus pais novamente.
Ela nunca tivera medo, porque
sempre tivera a outra ali com ela. Mas agora sentia algo estranho na barriga,
pois as únicas coisas que restaram da sua irmã foram a boneca, o retrato e as
lembranças.