14 de nov. de 2012

A minha maior verdade



Sonhos são muito mais do que apenas a nossa imaginação. Sonhos transmitem parcelas da nossa verdade, da nossa realidade. E é a partir deles que essa história tomou parte na minha essência.
“Uma multidão caminhava, de cabeça baixa, morro acima. Todos vestiam capuzes marrons que contrastavam com o ambiente mórbido à sua volta e os tornava uma massa singular e homogênea. Um por um caía no penhasco e dava adeus à sua vida grotesca. E eu estava no meio de tudo aquilo. Era surreal como todos pareciam estar desprovidos das suas faculdades mentais, sem sentidos, sem perspectivas de futuro. Caminhar para a morte, todos iguais, sem convicções, sem laços, sem afetos, sem vontades. A minha vez estava chegando, e era tudo o que me restava.
Continuei caminhando naquelas terras vazias, conhecendo o meu futuro como a palma da minha mão. Todos nós estávamos seguindo o curso natural de uma VIDA, na qual o tempo controlava e perseguia os medíocres. Estava a um passo do meu fim...”
Não aguentava mais sonhar toda noite com penhascos. Resolvi me queixar para a minha mãe sobre os sonhos. Ela, sempre desconexa dos assuntos matinais, respondeu com a mesma ideia corriqueira de que não escolhemos com o que sonhamos e que eu estava paranoico. Ela ainda teve a audácia de sugerir que eu apenas dormisse, como se isso fosse possível, segundo a tese dela própria.
“Meus olhos estavam dilatados ao máximo, sentia o aroma do barro inundando o meu corpo, cada pernada que dava sentia mais as minhas forças se esvaindo e o meu fim próximo. Ele não parava de correr atrás de mim, parecia insaciável, tinha no mínimo duas vezes mais que o meu tamanho e estava quase me alcançando.
                Avistei logo em frente o final do caminho. Parecia que as alternativas eram, ou me entregava ao monstro, ou pulava e me entregava ao destino.
                Pulei. E a noite me engoliu...”
                Dessa vez, a ouvinte das minhas lamúrias foi a minha irmã. Ela sempre gostara dessas coisas de decifrar sonhos. Vivia correndo atrás de livros com significados. Porém seu conhecimento no assunto era bem escasso, uma vez que o maior hobbie dela, mesmo, era contar o sonho que tivera na noite anterior. Assim, ela acabou fazendo referência a um tal livro “Significado dos Sonhos” e sugerindo que eu fosse atrás de uma antiga conhecida nossa, a Tia Lilian.         
                A Tia Lilian era uma velha amiga da minha mãe, tinha uma sensibilidade aflorada e um conhecimento profundo sobre espiritualismo. Pretendia procura-la.
                Meu aniversário estava chegando, dia 02 de outubro, dali uma semana. Nasci no dia dos Anjos da Guarda e tinha como escudeiro o Anjo Gabriel. Esperava que ele bloqueasse tudo aquilo que estava acontecendo comigo e fizesse com que tudo voltasse a ser como antes. Como quando eu dormia, acordava e não lembrava nada, de forma que dava a impressão que eu nem tinha sonhado.
                Decidi que a procuraria caso essa tormenta continuasse depois do meu aniversário. Tudo parecia seguir bem. Passaram-se três dias sem nenhum sonho, ou pesadelo.
“Estava sentado, sozinho, na última fileira do teatro. Era uma ópera de Oberon. E Gabriel era o protagonista do espetáculo. Ao mesmo tempo em que o palco parecia tão distante, sentia Gabriel tão próximo.
As fileiras de cadeiras vermelhas estavam parcialmente vazias. Os seres que as ocupavam conversavam sobre o final do segundo ato. No momento que iniciaria o terceiro e último ato, as cortinas, ao invés de se abrirem, apenas caíram, cobrindo o chão de vermelho.
Gabriel estava lá. Encarava-me com um sorriso enorme em seu rosto. Flutuava sobre o mar escarlate que se tornara o palco. Os seres sumiram. O chão começou a ceder no início do anfiteatro. Fileira por fileira era engolida pela cratera que se formava. Dessa vez não tinha como escapar. Era o buraco que me perseguia. Mesmo assim, Gabriel continuava apenas me olhando e sorrindo. Cedi ao tempo, espaço e vontades. Deixei-me ser engolido pelo que me perseguia.”
Minha mãe parou o carro na frente da casa da sua amiga. Desci do carro sozinho. Entrei no ateliê da espírita e me deparei com ela sentada virada para a porta. O mesmo sorriso do anjo estava estampado na sua face:
                _Então você decidiu assumir sua mediunidade?