23 de mai. de 2013

Homossexualidade vira debate no espaço público curitibano

A morte de um homossexual a cada 36 horas no país acende a discussão sobre o assunto em Curitiba.
LUCAS PANEK
O Brasil é o país que registra o maior número de crimes homofóbicos no mundo. Os dados são do Grupo Gay da Bahia (GGB) que aponta um assassinato de homossexual a cada 36 horas, no país. Nesse contexto, questões como a aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual que está em votação no Senado, a educação nas escolas e a promoção do respeito às diferenças sexuais são levantadas em espaços públicos de todo o país.
O cenário de violência nacional contra os gays se reproduz de norte a sul, inclusive aqui em Curitiba. Washington Vargas, 22, é auxiliar de escritório de advocacia e trabalha há um ano com processos penais. Sempre teve contato com ações judiciais movidas por homofobia, mas nunca imaginou que, um dia, seria uma das vítimas: “Eu jogava vôlei no SESC Centro, mas, fui obrigado a parar de jogar por medo de que as ações homofóbicas de alguns seguranças tomassem proporções maiores”. O jovem contou que sofreu uma ameaça, de um segurança, por beijar seu namorado no ginásio. Disse, ainda, que a equipe de segurança passou a persegui-los dentro do estabelecimento e a fazer reclamações, sem fundamento, do casal à coordenação do SESC.
O Presidente da Aliança LGBT (Lésbicas, Gays, Bis e Travestis), de Curitiba, Thon Cris Paiva, citou alguns outros casos que chocaram a cidade: um casal gay foi ameaçado num cinema famoso da cidade por causa de um beijo; por andarem de mãos dadas, um motoboy abordou um casal de lésbicas  e quase as  agrediu; outro casal de homens foi “convidado” a se retirar de um restaurante por causa de um selinho.

Thon Cris Paiva, presidente da Aliança Jovem LGBT
(créditos: Thon Cris Paiva).
Paiva explicou que esses crimes acontecem todos os dias na cidade, porém são poucos aqueles que os denunciam. O ativista comentou também que essas situações devem ser levadas até a instituição e denunciadas no Disk 100 da Secretaria de Direitos Humanos da República. Ele elencou algumas medidas que são tomadas a partir de uma denúncia: “A Aliança entra em contato com o estabelecimento onde ocorreu um caso de discriminação ou violência, para pedir um posicionamento e reivindicar soluções.” Caso não haja resposta, o presidente disse que outras instâncias são requisitadas: “Podemos envolver até o Ministério Público”.
Em retratação ao ocorrido no SESC, a Aliança notificou: “Nosso posicionamento é de repúdio. O SESC é responsável pela integridade física e moral dos seus clientes. Deveriam tomar um posicionamento de respeito ao ser humano e, principalmente, à diversidade humana”.
Ao levar em conta a necessidade de aprofundar a discussão sobre os direitos desse grupo minoritário, tornando-a tema em sala de aula e na sociedade, surgiu o Estatuto da Diversidade Sexual, a partir de iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O Estatuto da Diversidade Sexual
O projeto teve origem a partir da necessidade, percebida pela OAB-Brasil, de uma legislação voltada para o segmento LGBT. A entidade criou um grupo de juristas e formou a Comissão da Diversidade Sexual, instalada pela primeira vez em março de 2009.
A elaboração do projeto contou com a participação de movimentos sociais de todo o país por meio de sugestões de emendas. Três propostas de emendas na Constituição foram levadas para o Congresso Nacional. O Estatuto encontra-se, atualmente, em votação no Senado.
Para Maria Berenice Dias, advogada e presidente da comissão (http://www.direitohomoafetivo.com.br/), o motriz dessa ação gira em torno do fato de que, até hoje, a Justiça não poder punir atitudes de viés discriminatório por falta de embasamento legal: “Ninguém pode ser condenado sem lei que tipifique a ação como delituosa”.
Respeito às diferenças sexuais
As diferenças sexuais sempre foram polêmicas ao longo da história e no Brasil, um país bastante moralista e machista, onde os avanços na área se apresentaram ainda mais difíceis do que nos Estados Unidos ou em outros países europeus.
A historiadora Mary del Priore relata em seu  livro Histórias Íntimas, sexualidade e erotismo na história do Brasil (Editora Planeta, 2011), que as lutas homossexuais sempre foram sufocadas pelo preconceito das relações sociais com os grupos minoritários. A
banalização de tais grupos era feita pela mídia num processo de generalização do segmento em personagens caricaturados.
A moral vigente de diversas épocas censurou a homossexualidade, no país, de diferentes maneiras. No período da Colônia, quando a religião católica ditava os costumes, ser gay era pecado prescrito na Bíblia. A relação sexual entre dois homens passou a ser crime constitucional no século XIX. No início do século XX, homossexualidade virou homossexualismo e era estudada e disseminada como uma doença. Na década de 1980, com o surgimento e o avanço da AIDS, como doença contagiosa que tem como uma das principais causas o contato sexual, os gays passaram a ser considerados disseminadores da epidemia. Atualmente, expressar sua orientação sexual em público é visto como atentado ao pudor —- crime contra os costumes/tradição, previsto no Código Penal.
O preconceito na população brasileira está bastante inserido na cultura  de todas as classes sociais, mesmo que reconheçam o direito à diversidade sexual.  Reinaldo Henrique, 23 anos, é comentarista em blogs que debatem sobre sexualidade. Para ele, qualquer um tem o direito de se relacionar com pessoas do mesmo sexo, porém ressalta: “Eles que façam o que quiserem dentro de suas casas e não nos façam engolir os seus costumes em público”.  A luta do grupo LGBTTs, inclui transexuais, transgêneros e simpatizantes, em Curitiba, há algum tempo está voltada para a efetivação de seus direitos e a busca de respeito. Para Maria Berenice Dias, beijar em público não é crime, portanto é um direito de qualquer um e deve ser respeitado.
Educação nas escolas
Assim como a moral social ainda não aceita a homossexualidade de forma natural, a educação também não aborda de forma efetiva o assunto. O caso dos kits gays — cartilhas orientadoras sobre o tema — exemplifica bem essa imaturidade social curitibana, Os kits que eram distribuídos em escolas para a conscientização de estudantes viraram polêmica em Curitiba, uma vez que os pais não aceitavam que seus filhos fossem obrigados a entrar em contato com tal universo. O Governo acatou a maioria e retirou os kits.
Projetos a serem implantados podem se espelhar num programa piloto financiado pela Fundação Europeia da Juventude do Conselho da Europa, o Educação LGBT. Criado pela rede Ex aequo — rede LGBT de jovens portugueses, o modelo foca na disseminação de informações sobre o tema no que tange à sexualidade em séries acima do sétimo ano escolar.  Washington Vargas, vítima de preconceito, entende que faltam políticas públicas efetivas para lutar em âmbito jurídico e social, inclusive, contra a situação no país e em Curitiba.

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